Embora a governança seja claramente definida, em alguns momentos há avanços nos limites das atribuições das autoridades, criando uma zona cinzenta sobre a atuação das autarquias.
Interferências decisórias, sobreposição de funções entre autoridades, tensões institucionais – estes são alguns dos sintomas de que a governança do setor elétrico vem sofrendo enfraquecimento, o que ficou evidenciado na crise hídrica no ano passado. Em meio à tramitação de um novo marco legal, já existem
questionamentos sobre a necessidade de um choque de governança no setor elétrico.
O segmento de energia elétrica é altamente regulado, com o Ministério de Minas e Energia (MME) responsável pela elaboração das políticas setoriais. Em alguns casos, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) estabelece decisões ou referenda medidas do MME. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) regula e fiscaliza o setor.
O Operador Nacional do Setor Elétrico (ONS) planeja e opera instalações de geração e transmissão, enquanto a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) trata de registro e liquidação dos contratos de energia (entre outras atribuições) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) é a responsável pelo planejamento do setor.
Há ainda o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que monitora as condições de suprimento do setor.
Essa estrutura foi estabelecida na ocasião da última reestruturação do marco legal do setor, concluída em 2004. Embora a governança seja claramente definida, em alguns momentos há avanços nos limites das atribuições das autoridades, criando uma zona cinzenta sobre a atuação dessas autarquias.
Um dos exemplos mais recentes veio do Congresso Nacional, especialmente sobre a Câmara dos Deputados, onde tramitam projetos de decreto legislativo que pretendem sustar reajustes tarifários autorizados pela Aneel.
Neste caso, avaliam especialistas, há uma interferência direta do Legislativo sobre a Aneel, uma vez que os cálculos tarifários levam em conta metodologias que são conhecidas do público. A alta das tarifas tem relação com medidas de combate à crise hídrica, no ano passado, cujos custos começam a aparecer neste ano. Ao barrar os reajustes, as distribuidoras ficam sem a remuneração destes custos. Além disso, iniciativas como estas sempre surgem em momentos de alta elevada ou em anos eleitorais – o que transforma os aumentos em bandeiras políticas.
Além de o Congresso avançar nas atribuições da Aneel, foi apontado comportamento semelhante em alguns momentos da Aneel em atribuições do MME. A polêmica aprovação do marco legal da micro e minigeração distribuída, no ano passado, foi baseada na troca de papéis. Marcada pela “fake news” de que a Aneel pretendia “taxar o sol”, profissionais ligados à área solar iniciaram movimento para barrar uma proposta de redução de subsídios à modalidade, conhecida pelas instalações em telhados.
A Aneel estava com o tema em consulta pública, ouvindo agentes e recebendo contribuições, mas foi obrigada a congelar o debate enquanto um projeto de lei avançava no Congresso. Apesar da intenção de reduzir subsídios, a Aneel acabou avançando no papel do MME, que é o de criar política pública, segundo um consultor ouvido pelo Valor.
Da mesma forma, a CCEE exerce papel regulatório no debate sobre a segurança de mercado, tema técnico que trata de melhorias no ambiente de comercialização de energia. Sugestões propostas pela CCEE para a Aneel têm sido vistas como tentativa de regular um mercado que tende a ser cada vez mais livre.
Um outro especialista falou, sob a condição de anonimato, sobre o fato de existirem dezenas de associações setoriais que, num momento em que o governo se encontra fraco e perto do fim do mandato, buscam defender seus respectivos interesses, em detrimento do setor como um todo. Mais de 30 associações representam segmentos que atuam direta ou indiretamente no setor elétrico.
“Cada um quer olhar para seu lado”, disse o especialista. Foi o que aconteceu, por exemplo, na lei da Eletrobras, resultante da Medida Provisória 1.031/2021, que estabeleceu as diretrizes para a privatização da companhia de energia elétrica. As chamadas “emendas jabutis”, sem relação com o tema original, foram resultado de ação de associações que atuaram diretamente com os parlamentares.
Assim, surgiram emendas que obrigaram a construção de 8 gigawatts (GW) de termelétricas em regiões sem infraestrutura de gás natural, bem como a contratação compulsória de 2 GW de pequenas centrais hidrelétricas em leilões de energia. Também foi prorrogada a vigência do Proinfa, programa que incentivou a construção de usinas de geração renovável, em vias de chegar no fim do prazo de 20 anos, entre outras iniciativas.
Uma questão que chama a atenção é a sobreposição de funções entre as autoridades energéticas. A EPE, por exemplo, é responsável pelo planejamento da expansão da oferta de geração e transmissão de energia, mas o ONS também tem entre suas atribuições a realização de planos de expansão da transmissão.
Outro exemplo é o da CCEE, que é responsável pela formação do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), usado como referência no setor, enquanto o ONS calcula o Custo Marginal de Operação (CMO).
Ambos os preços, CMO e PLD são calculados pelos mesmos modelos matemáticos, mas o CMO é usado como referência para a operação. O problema, segundo apontam, é que uma pessoa não muito iniciada no setor não consegue entender as sutilezas e diferenças entre os dois valores.
EPE, ONS e CCEE também divulgam dados de consumo de energia. Os dados da CCEE são prévios, enquanto os da EPE são definitivos e os do ONS referem-se à carga (consumo mais perdas). As três também promovem as chamadas revisões quadrimestrais de carga, quando estimam e revisam o crescimento da carga de energia para o ano a cada quatro meses.
“Nem tudo que parece é sobreposição. Há colaboração entre as entidades”, disse uma autoridade energética. Porém, ele reconhece que existe realmente confusão sobre os papéis de cada entidade, mesmo para quem já é iniciado no setor. Sobre os conflitos de competência, o executivo salienta que momentos de tensão são importantes para que se possa debater aperfeiçoamentos na governança.
Em sua fala na abertura do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), um dos principais eventos do segmento, na semana passada, a secretária-executiva do MME, Marisete Pereira, disse que o atual marco setorial, em vigor desde 2004, não ficou parado no tempo e lembrou que naquele momento, a preocupação era atender os anseios de expansão da oferta de geração e transmissão – uma vez que o marco regulatório entrou em vigor três anos após o racionamento de 2001.
Apesar de haver necessidade de se revisar as bases da governança do setor, o quadro não chega a ser preocupante. No mesmo Enase, o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, avaliou que o setor elétrico possui uma boa base de governança, comprovada na gestão da crise hídrica do ano passado, segundo ele.
“Uma coisa que foi comprovada no ano passado, durante a crise hídrica, foi a importância de uma governança robusta”, disse Ciocchi, que defende o fortalecimento do papel das entidades.
“Acredito que seja importante para todos fortalecer o papel das entidades na governança. Só assim é que se pode desenhar o futuro do setor”, disse ele. “O principal desafio para a governança é fazer acontecer”, completou o presidente do conselho de administração da CCEE, Rui Altieri.
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